Meir
Kahane em nada se parece com Haneen Zoabi.
Kahane
é judeu e nasceu em 1932 no Brooklyn, Estados Unidos, em uma família judaica
ortodoxa.
Seu
pai, o rabino Yechezkel, era amigo próximo de Zeev Jabotinsky. Na adolescência,
Meir frequentou o movimento juvenil Betar e um pouco mais tarde foi ativista no
Bnei Akiva. Estudou em diversas yeshivot , onde recebeu ordenação rabínica e
formou-se em Ciências Políticas e Direito por grandes universidades nos EUA.
Zoabi
é muçulmana e nasceu em 1969 em Nazaré, Israel. em uma família muçulmana laica.
É parente próxima de Abd el-Aziz el-Zoubi, o primeiro árabe a se tornar membro
da Knesset.
Zoabi
estudou filosofia e psicologia na Universidade de Haifa, e recebeu um Mestrado
de artes e comunicação da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Zoabi
é a primeira cidadã árabe de Israel a se formar em estudos de mídia e
estabeleceu as primeiras aulas de comunicação em escolas árabes no país.
Mundos
completamente desconexos levaram a escolhas políticas desiguais.
Kahane
emigrou para Israel em 1971. Envolveu-se em diversas polêmicas, dando início a
protestos que defendiam a expulsão dos árabes de Israel e dos territórios
ocupados. No mesmo ano, fundou um novo partido, “Kach” (Tradução direta:
“Assim”). Posicionado na extrema-direita israelense, o lema de sua coligação
logo ficou conhecida no país – “Dê-me a força, que eu cuidarei deles” – “eles”,
no caso, era uma alusão aos cidadãos árabes israelenses e aos palestinos. Após
diversas derrotas consecutivas, o partido finalmente conseguiu uma vaga no
Knesset de 1984.
Em
2001, Zoabi se filiou ao partido árabe Balad. Mais tarde, fundou a ONG chamada
“Central de Mídia para árabes palestinos em Israel” (denominado “e’e’lam”). Em
2009, conseguiu uma vaga no Knesset tornando-se a primeira mulher muçulmana a
representar um partido árabe em Israel.
Como
membros eleitos dentro do parlamento, cada um pôde propor a elaboração de leis
que cristalizariam as suas ideias para o futuro do país.
Kahane
defendia que o Estado de Israel fosse regido pela leis da halachá.
Concedeu
diversas entrevistas em que afirmou abertamente que judaísmo e democracia não
poderiam caminhar lado a lado. Expondo o seu medo de que o crescimento
demográfico árabe acabaria com o caráter judeu do Estado de Israel, propôs a
deportação forçada dos árabes de todas as terras controladas pelo governo
israelense. A ideia era compensar financeiramente com cerca de 40.000 dólares
cada árabe que deixasse voluntariamente o país e, consequentemente, a expulsão
de todos aqueles que se recusassem a deixar suas casas. Entre as propostas de
leis polêmicas, posso citar as mais relevantes como a) “cidadania em Israel apenas
para judeus” e b) “pena de prisão para árabes e judeus que casassem entre si ou
que tivessem estabelecido uma relação sexual”. Felizmente, nenhuma destas leis
chegou a ser votada por falta de quórum e apoio político.
Zoabi
rejeita a ideia de Israel como um Estado judeu, que ela descreve como
“inerentemente racista”. Na cerimônia em que seria empossada em sua função
legislativa deixou o plenário do Knesset antes de cantar o o”Hatikva” (hino
nacional de Israel) por afirmar que ele “não a representa”. Toda a sua luta
política pode ser resumida no desejo de tornar Israel um Estado binacional, concedendo
direitos civis plenos a todos os refugiados palestinos. Não são raras as vezes
que podemos assisti- -la em programas de televisão e rádio condenando as
políticas do governo israelense.
Meir
Kahane até que se parece com Haneen Zoabi. Os dois foram expostos a execração
política e tiveram a sua candidatura ao parlamento questionada na mais alta
corte judiciária do país.
Durante
o seu primeiro mandato em 1984, Kahane se tornou cada vez mais isolado no
Knesset. Seus discursos racistas eram boicotados por membros do parlamento e
diversas vezes deixaram o plenário completamente vazio, restando apenas o
presidente e o funcionário da transcrição. As Propostas legislativas de Kahane
e moções de não-confiança contra o governo foram reiteradamente ignoradas ou
rejeitadas pelos seus pares. Kahane, chamava os demais políticos de
“helenistas” (uma referência a partir de textos religiosos judaicos que
descrevem antigos judeus que assimilaram a cultura grega após a ocupação da
Judeia por Alexandre, o Grande). Apesar do boicote político, a popularidade de
Kahane crescia.
Em
resposta a este comportamento que envergonhava o parlamento israelense, e
seguindo a recomendação do Supremo Tribunal, o Knesset aprovou uma emenda à Lei
Eleitoral, que cassava a inscrição de partidos e políticos que a) negassem a
existência de Israel como o Estado do povo judeu; b) que negassem o caráter
democrático do Estado; c) que incitassem o racismo.
Como
resultado, o partido de Kahane foi desqualificado pela Comissão Eleitoral Central
de concorrer nas eleições de 1988. O partido recorreu da decisão, alegando que
a discriminação contra os árabes se fazia necessária à segurança do país. O
apelo não foi bem sucedido, com o tribunal negando o direito de Kahane ser
candidato afirmando na sentença que os objetivos e ações de sua legenda eram
“manifestamente racistas”.
Em
31 de maio, 2010 Zoabi participou da Flotilha de Gaza. Ela estava a bordo do
navio MV Mavi Marmara, que tinha o objetivo de quebrar o “bloqueio a Gaza”. A
violência eclodiu quando soldados israelenses entraram no navio com a intenção
de redirecioná-lo para o porto de Ashdod. Em um discurso na Knesset, Zoabi
descreveu o ataque como uma “operação militar pirata”.
Durante
seu discurso, ela foi interrompida várias vezes pelos outros parlamentares, que
furiosamente gritaram “Vá para Gaza, traidora!” Tentaram revogar a sua
imunidade parlamentar e retirar a sua cidadania israelense. Tais tentativas
foram bloqueadas pelo presidente da Knesset, Reuven Rivlin, que se recusou a
apresentar estas moções a voto.
Finalmente,
em dezembro de 2012 a Comissão Eleitoral Central desclassificou Zoabi, bem como
o seu partido “Balad”, de participar das eleições que ocorrerão em janeiro de
2013 em Israel.
O
pedido de sua desclassificação foi embasado justamente na emenda de lei que
anos antes havia contribuído para riscar a participação de Kahane da vida pública
no país.
Haneen
Zoabi apelou à suprema Corte de Israel, que por unanimidade (nove votos a zero)
deu ganho de causa à parlamentar árabe, cassando a decisão que havia desqualificado
a sua participação nas eleições.
Não
deixa de ser curioso: Enquanto Kahane desejava “convidar” os árabes a se
retirar do país, Zoabi deseja construir uma única morada para ambos os povos.
Não
acredito que nenhuma das abordagens destes dois políticos sejam a solução para
o conflito e tenho certeza de que qualquer uma delas poriam fi m ao que
conhecemos hoje como o Estado Judeu Democrático. Enquanto um pensamento destrói
um dos pilares que sustentam a democracia, o segundo utilizaria o estado
democrático para acabar com o caráter judeu do país.
De
qualquer forma, não tenho como esconder o orgulho de viver em um lugar cuja
Suprema Corte determina que a ideia da “separação” deva ser reprimida, enquanto
que o desejo pela “unificação” deva ser preservado.
A
verdade, é que eu não esperava nada menos de um tribunal, que em uma democracia,
possui a função de separar o que é justo do injusto e de estabelecer o que é
aceitável e o que é condenável.
Dizer
“não”, a Meir Kahane, é comprovar que Israel jamais poderá se autodefinir como
um Estado Judeu senão se comportar democraticamente.
Por
outro lado, dizer “sim” a Haneen Zoabi, é comprovar que dentro de um Estado
democrático, existe espaço e legitimidade para que se determine a sua
característica judaica.
Meir
Kahane e Haneen Zoabi, em suas diferenças e similaridades, conseguiram transformar
Israel em tudo aquilo que eles não desejavam. Com as suas atuações políticas, a
nossa democracia e o nosso caráter judaico estão muito mais fortes do que antes.